27 novembro, 2012

haicai


Girassol Quem fez-te
Do astro-rei a semelhança?
Deus Pai ou Vicente?

Segunda Chance (conto)

Todo dia o paraplégico Agostinho ia à beira de um enorme precipício com a firme determinação de que dali se atiraria para acabar com a sua vida – algo que não pedira, fardo que tanto o incomodava -  mas nunca encontrava a coragem necessária ao cumprimento do que se propunha. E limitava-se a chamar a plenos pulmões a si próprio de covarde e ouvir o irritante eco, lá embaixo, nos socavões.
“Covarde! Arde! Arde! Arde!  Arde! Arde! Arde!”
Um dia – havia chovido muito na noite anterior – ele aproximava-se da borda do penhasco para mais uma tentativa de suicídio  quando  escorregou e despencou pela encosta acidentada entre pedras e espinhos.
Foi uma queda e tanto. Ossos fraturados, traumatismos, hematomas...  e ele ainda vivo, que vaso ruim, como dizem, não quebra. Apesar de tudo isso não conseguiu o que queria.
 Agora o tetraplégico Agostinho faz da língua uma lâmina. Vive de aporrinhar a enfermeira contratada por seus parentes para cuidá-lo, para que empurre sua cadeira de rodas e deixe-a deslizar outra vez penhasco abaixo. Quer por que quer uma segunda chance. Mas a enfermeira, sábia, tem a percepção de que os tempos andam difíceis e que se fizer o que ele lhe pede ficará desempregada. E em contrapartida redobra os cuidados.

Conto da Purificação


 

Poema da purificação


Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.


Carlos Drummond de Andrade
 

O primeiro corpo, encontraram-no uma bela manhã de sol forte enganchado num galho da velha ingazeira que, qual um braço esguio parcialmente submerso, movia-se em nervoso ritmo tocado pela corrente. Misericórdia vegetal para com o cadáver. O braço da ingazeira piedosamente o recolhera.

 “Um menino!”, afirmaram uns. “Uma menina”, contestaram outros. Como quando um ser vem ao mundo e é dado à luz. Tinha  a idade em que as diferenças entre meninos e meninas são quase imperceptíveis. Por isso mesmo o pomo de discórdia..

 Morto, morta. Disso todos tinham certeza.  Afogamento, era a causa mais provável.

 Samaritanos prestos logo acorreram: As lavadeiras, os pescadores... E os inevitáveis curiosos, gente desocupada.

 À força de vigorosas  remadas a canoa encostou, e a criança foi recolhida. O processo de putrefação ainda não se fazia sentir. Hematomas azulados marcando a  pele branca como o leite, talvez provocados por colisões contra as pedras em um trecho anterior do rio conhecido como porto das pedrinhas. Nas omoplatas, dois talhos enormes. Fendas abertas na carne que ninguém conseguia explicar.
Convocassem o vigário.
 
 A igreja lá no alto. O galo do campanário tocando com sua crista rubra o céu.
 Um rapazola de pernas rápidas  galgou as pedras que martirizavam penitentes. Pela urgência esmurrou as grossas portas chamando por frei António.
 Inútil. Que surda é a luxúria. Insolúveis  os mistérios gozosos.  Encerrado na sacristia, os santos encobertos, o  padre sucumbia à tentação da carne tenra.
 O rapaz não se deu por vencido e tangeu os sinos desentocando do covil o lobo.
O que o biltre viu em seguida, a ninguém foi dado ver. E tudo aconteceu por mais seis vezes. Para cada inocência perdida nas mãos de frei Antonio  o rio trazia um novo anjo morto.
Intimamente o culpado quis se enforcar na corda do sino. Quis atirar-se da torre da Igreja. Quis misturar veneno ao sangue de Cristo. Não achou coragem.
 Seus dias estavam contados. E seu nome inscrito já na caderneta negra dos impuros.
 Ao entrar a quaresma,  acometeu-o estranha moléstia. Secou. Havia ainda o desejo, a ânsia, os apetites sórdidos, mas o corpo os rejeitava. E frei António padeceu entrevado por dez anos, sob o olhar do arcanjo São Miguel. Nem quando roubaram o santo para que a estiagem cessasse, ele sentiu melhora.
Um dia, simplesmente, desapareceu. Um buraco escuro tragara a casa paroquial  levando-o junto. Um buraco como uma boca abissal faminta  e escancarada  que ninguém conseguiu vedar.

Mais um título para Éder Jofre - Antologia

Participo com um conto intitulado "A Aposta" desta antologia em homenagem ao nosso maior Campeão de Boxe: Éder Jofre.
E aí, vai encarar??