24 julho, 2007

287. há vagas


Doutor Firmino Fortes, a pretexto de exercitar sua autoridade de gerente-geral récem-nomeado, logo no primeiro dia despediu sem mais delongas dona Marioneide, a faxineira, nordestina, analfabeta, oito filhos pequenos para criar.
Olhos úmidos, impotente, Dona Marioneide só conseguia balbuciar com sotaque: "o senhor não tem coração, doutor".
Enganava-se a infeliz. Que ele o tinha. Com quatro pontes. Aquelas que ainda aquela noite, ruiriam sob o peso da sua prepotência.
Dia seguinte, no quadro de contratações da empresa, duas novas vagas. A fila, lá fora, dobrava o quarteirão.

286. haiti


jean-pierre matou a golpe de machete seu louis-antoine seu vizinho e desafeto e tentou se desfazer do corpo atirando-o no penhasco que dava para o mar.
teve porém de fazê-lo por mais de uma dúzia de vezes, tomando o cuidado de mudar sempre o local e o modo - ora era um poço abandonado com uma pedra amarrada no pescoço, ora uma cova rasa na mata fechada ou uma pedreira desativada - porque no dia seguinte, teimosamente, lá estava o maldito de volta a atormentá-lo. cansado daquilo tudo, jean-pierre confessou o crime e se entregou à policia. foi condenado por homicidio mas - menos mal - livrou-se da acusação de ocultação de cadáver.

285. amor aos pedaços


esperava-a. ela, como sempre, atrasou-se. ele não conseguiu se conter: devorou voluptuosamente o coração de chocolate com que a presentearia.
quando ela apareceu ele, meia hora depois, ele ainda mastigava o último pedaço e lambia os lábios.
acabou-se, ele disse. não sou aquele cara sem vicios que voce pensou que eu fosse.

284. bolsa-familia

ir pro sul? pra quê? nem pensar! - riu-se joão climério, o polígamo, na fila do bolsa-familia em cabrobó.