10 outubro, 2007

301. vegetal


vendo o velho ali, prostrado em um leito hospitalar em estado vegetativo, não teve dúvidas: abriu a braguilha e regou-o efusivamente.
o médico havia se enganado. o paciente não perdera de todo a sensibilidade. comprovou-o ao decifrar na iris opaca do enfermo resquicios de um ódio antigo, de uma prepotência agora domada pela impotência.

300. o enforcado

o cheiro da ingrata - também o do outro com quem havia dormido e fugido àquela quinta - ainda impregnado nos lençóis com que o desgraçado teceu a corda.

289. vamp


- mais depressa, por favor - quase suplicou a jovem passageira, os lábios roxos, a voz angustiada.
- preciso chegar a este endereço antes que amanheça!

ele disse é prá já, moça, e acelerou. no caminho pensou em marcar urgente uma consulta com o oculista. ou, quem sabe, entrar com os papéis da aposentadoria - por que não?

pelo retrovisor, via apenas o banco traseiro, o estofado de couro vermelho, vazio.

288. calafrio


quinze para a meia-noite deixa meio zonzo o prédio cinzento do IML onde acaba de identificar o corpo do tio solteirão que desaparecera já há alguns meses e dirige-se ao metrô consolação. arrasta os passos sem pressa, desce as escadas, cruza a frieza metálica da catraca e posta-se na plataforma. está sozinho.

mãos nos bolsos da jaqueta jeans desbotada, sentidos estimulados por sucessivas doses de cafeína, espera junto à linha amarela.
o trem assoma no túnel. o serviço de alto-falante todavia anuncia que o mesmo será recolhido para manutenção e portanto não há de parar naquela estação - um procedimento técnico, de praxe.

o trem se aproxima, o deslocamento de ar lhe assanha os cabelos que começam a rarear. os vagões, as luzes acesas, passam rápidos à distancia de dois palmos do seu nariz constipado. ele os supõe vazios mas o que vê ou imagina ver é um passageiro solitário, olhos profundos a acenar-lhe com a mão raquítica e ossuda, a dar-lhe um solitário adeus.

"Tio...", balbucia ao mesmo tempo que sente um calafrio percorrer-lhe a espinha e morrer na base da nuca.

o trem já passou.