09 janeiro, 2009

364. Dom Serafim, El-Rey


363. hai kai n.12

Língua de fora
Gravata rósea
Cão a rigor.

362. hai kai n.11

Braços erguidos
Mandacaru se rende
Aos teus encantos.

361. hai kai .10

Sobre o tumulo do avô
A avó circunspecta
Pratica ikebana.

360. hai kai n.9

Havia no caminho
Uma pedra - de vesícula
Que rima ridícula.

359. hai kai n.8

Moço analfabeto
Mandou-me um bilhete:
Era um origami.

358. a vontade férrea de Dom Arturo

Dom Arturo Gamboa Bastos Garcia y Garcia gabava-se de ter antes de qualquer coisa uma vontade férrea. Um dia, por exemplo e para dar exemplo, decidiu parar de fumar e nunca mais, nem por brincadeira, botou um cigarro na boca. e se o fez foi mais por razões de cunho financeiro que por problemas de saúde (era forte como um touro) que por desventura viesse a ter: Pôs no papel, fez os cálculos e concluiu que, ao fumar um maço por dia dos 17 aos 55 anos gastara com os malditos cigarros a vultosa quantia de 280 mil robledos. uma pequena fortuna que o teriam feito um prospero e respeitável estancieiro.

daquela sua fase cinza de fumante inveterado, porém, restara-lhe o inarraigável costume de trazer sempre entre os dedos médio e indicador da sua mão direita algo que melhor se adequasse e preenchesse o vazio do antigo objeto do seu vício. esse substituto, ele logo descobriu, seria um bastonete de giz branca desses que as professoras primária esgrimam com perícia no exercício da sua nobre missão de formar as futuras gerações.

Aposentado, viúvo, a diversão de Don Arturo agora era toda tarde jogar bilhar com os velhos companheiros.Foi ali, no salão Bolas de Ouro, que descobriu a real utilidade dos seus inseparáveis bastonetes brancos: passou a usá-los também para anotar na pequena lousa verde o resultado das acirradas partidas que disputavam. Como essas disputas estendiam-se até alta madrugada, logo Don Arturo, sem que percebesse, começou a comprar cada vez mais e mais caixas de giz. Fato é que dos 56 aos 88 anos, quando parou definitivamente de jogar por causa do Alzheimer que não lhe permitia mais firmar o taco, calculou ter gastado pra bem mais de 200 mil robledos; outra pequena fortuna que lhe teria permitido tornar-se, dessa vez, não um próspero fazendeiro - que com gado e mulher já não tinha paciência; mas um... não! chega! não queria tornar-se mais nada. Mesmo porque, independente das vicissitudes, só lhe restava, biblicamente falando, tornar-se pó. pó igualzinho aquele que se desprendia do giz com que gastara as economias que economizara ao largar o fumo vinte e dois anos antes.

357. portuárias

Mareado de tanta solidão, encontrou finalmente num bar de um porto movimentado a mulher da sua vida. Uma oportunidade única. Não podia perde-la. Chamou-a à sua mesa, pagou-lhe uma bebida, fizeram amor em um quarto sujo no andar de cima.

"Por você abandono o mar", confessou enquanto fumava vendo pela persiana dentro da escuridão as luzes do navio em que servia fundeado na baía.

"Sei" sorriu a mulher. Enquanto se vestia disse-lhe o que teria dito a qualquer marujo:

"Nunca deixe de sonhar, garoto"

E desceu as escadas para ser a mulher da vida de um outro.

356.culpa e expiação

quando foi preso era inocente. disse-lho desesperadamente às autoridades, à população, mas ninguém lhe acreditou. foi julgado e condenado a dez anos e no cárcere restou-lhe contar dias e as horas e nutrir-se de um ódio profundo do qual não imaginava ser capaz.

ao sair tinha em mente que na sua história faltava algo sem o que a justiça quedaria desacreditada e cometeu um crime. pronto: eles pediram e ele agora era de fato culpado. pagara com antecedência, é verdade, mas era finalmente culpado.

seu crime, porém, fora algo planejado e premeditado. quase perfeito. aproveitara brechas na lei emendada e remendada dos homens para se delinear. o punhal na mão de um terceiro, o dinheiro sujo na conta de outro e tudo se resolveu.

a inteligência limitada dos homens deu voltas em torno de si como um cão buscando o rabo e nada descobriu. e ele finalmente se sentiu vingado e aliviado daquele ódio antigo. todavia sua consciência ainda pesa, e ele tenta se convencer de que o tempo do arrependimento ficou lá, no fundo daquela cela.