02 junho, 2006

195. a estratégia


O caminhão era o palanque.
" Cidadãos e cidadãs! Gente da minha terra! Se eleito for... Eu prometo! Faço e aconteço!"
O candidato ia aonde o povo sempre esteve. E beijava criança catarrenta. E comia bucho de bode.
Os famintos ajuntando-se que nem gado. E a jagunçada distribuindo rapadura.
A estratégia do canalha era brilhante: Doce na boca do eleitor, voto pra vereador.
Dali há quatro anos, quando concorresse à prefeitura, distribuiria dentaduras para aquela legião de banguelas. Dente por dente.

194. imelda

o pequenino hipnotizado pelo artrópode perguntou ao mestre por que ela se chamava centopéia.

"um cento de pernas", explicou o mestre. "cento, pernas, centopéia"

o menino não se deu por satisfeito:

"e por que a centopéia tem cem pés?"

e o mestre:

" na encarnação anterior ela era primeira-dama de um país pobre aqui da ásia onde a maior parte da população anda descalça - e costumava vangloriar-se da sua coleção de cem mil pares de sapatos"

193. perro viejo


En el asiento ceniciento reservado a los ancianos y veteranos de guerra, mastigaba las encias infinitamente. Y babeaba ante el mar de minifaldas.
"Ah, esas normalistas!!!"
Viejito indecente.
Uma centella minúscula de deseo hormigando en la punta de la lingua - Entre las piernas, solo la incontinencia urinária - por eso el pañal geriátrico.
Por eso bajó otra vez en una estaçión mas adelante.
Ocurria siempre pero él jamás aprendía - perro viejo no aprende nuevos trucos.

*. publicado no site tusrelatos.com

192. a mais bela ponte


da sacada o velho goleiro orientou a barreira de edifícios e esperou atento: quando a lua cheia despontou no horizonte, esticou-se num salto em câmara lenta e, de mãos trocadas, fez a mais bela ponte jamais vista.
publicado no site/revista Veredas

191. cicatriz

a cicatriz causada pela perda do seu grande amor, ele, renomado cirurgião plástico, jamais conseguiu apagar.

publicado no site/revista Veredas

190. el comandante


entre seus pares o velho comandante tecia rasgados elogios ao não menos velho artilheiro camiña:
"é o único dentre vós que jamais se queixa dos meus longos e entediantes discursos."
quase senil, esquecia-se de uma tarde sangrenta em sierra maestra quarenta anos antes quando um morteiro explodiu próximo ao bravo companheiro deixando-o completamente surdo.

189. complexo de castração

aquele psicanalista experimentado não teve dificuldade em diagnosticar o problema que afligia eduardo mãos-de-tesoura toda vez que ele ia ao toalete.

188. rancores


hay que endurecer!, garantiu o urologista argentino ao prescrever as pílulas azuis ao velho coronel da reserva.

"se este gringo completar a frase daquele comuna fdp", prometeu às suas divisas "prendo-o e arebento-o".

187. pataxó


o ex-piromaníaco, então em cargo de confiança no ministério, sentiu uma leve picada sob o lóbulo e desabou já sem vida. um velhinho de olhos rasgados - nissei? índio? - foi visto deixando o local. talvez não quisesse ser arrolado como testemunha; mas parecia estranhamente satisfeito.

186. temores

abra a boca, ordenou o dentista - lá fora uma mosca varejeira investia furiosa contra a vidraça.

185. rir

1950, ele conta uma piada meio assim sem graça; 1960, ele conta-a outra vez e ela pega o bonde andando; 1970, a ficha cai e ela avisa: ri melhor quem ri por último; 1990, dentro do copo d'água as dentaduras de porcelana riem de ambos.

184. experimentos

pânico na estufa: transmutaram a planta carnívora em vegetariana.

183. jogo rápido

a 180 no retão de jacarei, agachou-se para colocar o cd do manu chao - uma vaca holandesa entrou pelo pára-brisa.

182. três versões para uma mesma cena


a cobra devorava o próprio rabo. mau augúrio! disse o vidente. autofagia! contrapôs o filósofo. antes eu mesma do que outra! defendeu-se a cobra.

31 maio, 2006

181. cortázar




todo cronópio, meu bem, tem seus quinze minutos de fama.



*tá no relogio no canto do site Cronópios (http://www.cronopios.com.br/)

180. estepe

o pneu do carro furou no meio da estepe deserta e ele descobriu-se sem estepe e com um trocadilho infame.

179. tempestade

o copo d'água era para abrandar a ressaca; mas despejou dentro dela a tempestade.

178. no peito

matou a bola no peito, matou-o a bolha. no peito.

177. sobrevivente

perigo! não cruze a linha amarela! leu no metrô - e riu - aquele sobrevivente da linha vermelha.

177. fúria

quando enfurecido rasgava o verbo. depois o adverbio, o adjetivo, os substantivos... a gramática toda.

176. enquanto isso em la bodeguita...

- peguei um puta peixe deste tamanho!
- ih, corta o rum do ernesto!

*. homenagem ao escritor americano ernest hemingway autor de "o velho e o mar"

175. motivos

fins de 2001, fim de noivado de dois anos. queria beber para esquecê-la. saiu, tomou todas, caiu, bateu a cabeça no meio-fio, perdeu a memória recente mas não a sede. levantou-se e continuou bebendo - comemorava a conquista do tri.

174. quiromancia

antes que pudesse dizer não à cigana, esta tomou-lhe a mão e começou a lê-la: made in taiwan... taiwan?

é uma prótese, explicou. a mais moderna do mercado. tem sensores nas pontas dos dedos e temperatura semelhante à do resto do corpo. custou-me uma nota.

173. mentiras I

a filha mentiu descaradamente:

- dormi na casa de uma amiga, a magali.

a mãe, camareira de motel a vida toda, conhecia como poucos o cheiro de sexo.

172. boxeur II

era um boxeador sensível. fã da poesia de florbela espanca*.

*. poeta portuguesa.

171. riso

antes ria fácil e era sincero. agora, impostor, ri um riso de amálgama forçado, amarelo e postiço.

170. autocontrole

pressentiu que explodiria de fúria e tentou a técnica de autocontrole recém-aprendida de contar até dez antes de agir pela emoção. nem chegava ao sete e já tinha nocauteado o cara que tentava furar a fila. então, mais aliviado, continuou contando. como se fosse um juiz de boxe.

169. fábula nuclear

a formiga estocou víveres e refugiou-se no seu bunker; a cigarra cantou o seu canto do cisne e se conformou; só as baratas, como previram os cientistas, sobreviveram aos cruéis e devastadores efeitos daquela guerra atômica.


Las hormigas almacenaron víveres y se refugiaron en su búnker. La cigarra cantó su canto del cisne y se resignó. Solo las cucarachas, como predijeron los científicos, sobrevivieron a los crueles y devastadores efectos de aquella guerra atómica.


*. publicado no site tusrelatos.com

168. la lagartija (monterrosiana II)

Cuando me desperté, la lagartija aun estaba alla.Su cabezita asentia com todo lo que yo habia sueñado y no le hubo contado.Ya sabia de todo. Por eso mismo hallé imnecesarias las palabras y asenti también - la camisa de fuerza no lo me permitia otra movimientación.


*. publicado no site tusrelatos.com

167. monterrosiana


la top model brasileña conoció a un stone en una fiesta y quedaron borrachos. cuando despertó la model miró a su lado, para su felicidad, el dinosaurio aún estaba alli.
*. versão publicada no site tusrelatos.com do conto "el dinosaurio" do escritor guatemalteco augusto monterroso, o relato curto mais impecável que se conhece na historia da literatura hispano-americana:
"cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí. "

29 maio, 2006

166. presunto

no terreno baldio da periferia, o corpo crivado de balas do entregador da sadia.

165. cuidados

para não correr riscos de na hora agá chama-la por outro nome, tinha o cuidado de traí-la sempre com homônimas.

164. apetites

na ceia, outros apetites: mirava-lhe os seios.

163. queixa

ela vive pegando no meu pé rapaz - queixa-se o podólogo - só por que eu chego tarde em casa,

162. cus d'ouro

bem-afortunados aqueles que um dia foram pacientes do doutor midas, o proctologista.

161. helênicos V

depois daquele sonho estranho - um abutre devorava-lhe o fígado - Prometeu prometeu parar de beber.

160. helênicos IV

agradar aos gregos e aos troianos, tudo bem. agora desagradar os espartanos...

159. helênicos III

hipócrates tentou a carreira política mas aquela não era a sua praia - voltou a clinicar.

158. helênicos II

era botar salto alto que as dores o atormentavam. quanto sofrimento em nome da elegância, heim aquiles!

157. helênicos I

quando eneida se foi com homero, heleno tomou um porre - homérico diga-se de passagem - em homenagem àquele herói que levou pra longe a sua desgraça.

156. cinéfilo

surdo e daltônico o velhinho cinéfilo adorava as fitas de carlitos, o vagabundo.

155. clandestino

nos anos de chumbo para não perder a vida caiu na clandestinidade - hoje, para ganhá-la, pilota um ônibus clandestino.

154. último suspiro

vovó deu o último suspiro. já as marias-moles e as paçoquinhas, guardou-as para consumo próprio.

153. boxeur

se lhe agrediam, dava a outra face. curta foi a sua carreira de boxeur.

152. rugas

o botox eliminou-lhe as rugas da testa - ficaram as preocupações.

151. ouro

os meninos raquíticos enchiam de terra os buracos da rodovia por alguns trocados e nem se apercebiam do filete de ouro pálido que lhes escorria pelo nariz.

150. perdida

era uma perdida, disse o pastor da falecida. ela ou a bala? quis saber o investigador.