17 abril, 2009

412. jam session


411. descolados


410. ceticismo

Ansiava por uma experiência mística que quebrasse de vez as cadeias do seu ceticismo. Então, mochila às costas e cajado, como tantos outros, tomou o caminho de Santiago. À altura de Carrión de los Condes foi atropelado por um caminhão trucado em alta velocidade e sobreviveu. Milagre! testemunharam alguns peregrinos que faziam a mesma rota e que adotaram o acontecimento como sua própria experiência. Ainda assim ele não se convenceu: queria porque queria uma experiência mística que quebrasse o seu ceticismo, não suas pernas.

409. de cheiros e contactos

O Comandante João era um governante que cagava e andava para os índices de popularidade. Dizia com todas as letras que preferia o cheiro dos cavalos ao contacto com o povo. Ao deixar a vida pública, aposentado, João deu para passar as tardes no Jóquei Clube jogando damas e aspirando deliciado aquela acre atmosfera eqüina.

“Antes montar um puro-sangue que uma mulher do povo”, costumava afirmar ao seu mais fiel parceiro de jogo, Coronel Malaquias, antigo chefe do Serviço de Informações que não perdia a mania de espionar os outros e que por isso mesmo flagrou a ele, João, um dia, detrás de uma das baias, cavalgando a fogosa copeira do clube.

“Entendo, disse Malaquias rindo, que mudastes de idéia a respeito dos cheiros e contactos, meu comandante!!”

“Ando lá meio constipado, sabe? – respondeu João sem interromper o coito - Ainda bem que não perdi o apetite!”

408. a diferença

O melhor de Saigon, baby, eram as mulheres com suas doenças venéreas. Quentes pra caralho. Napalm puro. E a farta ração diária de marijuana, é claro. O inimigo? Ah, o inimigo estava dentro da gente e a gente dentro de um filme do Oliver Stone. Penso se não teria sido melhor se tivéssemos ido para Woodstock. Mulheres, surubas, ácido, marijuana a vontade... A diferença? uma trilha sonora bem mais apetecível.

407. França, 1917

Louis Antoine Chamoiseau, auxiliar de coveiro da pequena aldeia de Saint Gaultier, convocado para o front acabou levado à Corte Marcial por recusar-se a cavar uma trincheira. Ele não disse o porque da recusa porque achava que nenhum dos seus oficiais superiores ia dar ouvidos às suspeições de um reles soldado raso, e para não atemorizar seus companheiros de armas - a verdade é que, por experiência, ele adivinhara naquela tarefa não o improviso de um sítio de abrigo contra a artilharia inimiga, mas uma enorme sepultura coletiva.

406. london subway

A policia estava lá, no lugar correto e no momento certo (pontualidade britânica). Pegou o cara errado.

14 abril, 2009

405. devoto

Outra vez a seca. Cíclica. No peito do sertanejo acossado pelo flagelo sentimentos antagônicos de resignação e revolta.

A velha da foice ronda por ali impaciente, a mão descarnada no punho da redinha de coroá onde o menino, coitadinho, olhos tão fundos, quase anjo. Pusessem-lhes duas asinhas de avoante e voaria no mesmo instante para junto de Nosso Senhor. Daquela noite não haverá de passar. Carece pois que o batizem logo para que não morra pagão. Um nome têm: Manoel. Água, não. Nem pra remédio, quanto mais pra batismo. Talvez a umas dez léguas, no Poço do Peba, mas até lá... Há quem sugira um punhado de areia fina do leito seco do Riacho do Mato . Ou cuspo grosso, escuro, da boca mascadora de fumo do avô, também Manoel.João, o pai, impotente vai até o alpendre, fuma, pensa que pensa, repensa. De repente lembra-se de algo. Sem nada dizer desaparece capoeira adentro. Some.

Endoideceu de tristeza, dizem lá de dentro, sem surpresa. Loucura é só uma das conseqüências da fome.Mas João volta logo. Consigo traz uma moringa de barro.Água? Mel de Jandaíra? Perguntam em uníssono os ávidos familiares, quase a saltarem-lhe encima.É cachaça, contraria-os. Do engenho da Calabaça. Enterrei ali junto do mourão da cerca pra pegar mais gosto. Faz tanto tempo que tinha inté me esquecido...O pequeno Manoel é então batizado com aguardente. Batiza-o o avô. E o menino quase-anjo frustra o desengano sobrevivendo àquela e tantas outras estiagens.Tá aí a prova, aponta Zefa, sua esposa, cinqüenta anos depois. Cuia ruim, meu filho, não quebra não. Por isso devoto da cachaça até hoje.