12 novembro, 2012

haicai

De olhos de coruja
Que conjuram dentro da noite
Há quem não fuja?

Bodas em Guan Dong (conto)

A união matrimonial de Dao Lei e Chiang Han foi acordada com tradicional cerimônia budista e farta ceia promovidas pela viúva Ping, mãe do rapaz, juntamente com o senhor e a senhora Han, os pais da moça. Conquanto não se conhecessem pessoalmente, não se amassem e pertencessem a uma geração mais liberal que dos seus pais, não houve qualquer resistência ou oposição da parte dos jovens - nem poderia ser diferente, já que ambos haviam morrido em circunstâncias, lugares e datas distintas, cerca de dois anos antes.

Povoado (poema)

Era uma rusga na serra, um lugarejo, um lugar ermo
A meia-légua a pé do nada - para um obstinado penitente andejo
Fim de mundo e abrigo para fugitivos
Quilombo-abrigo para ex-cativos.
O seu fio tênue d’água rio não perene não era o Tejo
Tampouco um brejo
Ou açude que acudisse súplicas e preces.
Mas era o que lhe cabia.
Era só um povoado acanhado a se despovoar de vivos
Há – dizem - qualquer referência a ele nos velhos livros ilegíveis
Da antiga Freguesia de Nosso Senhor do Bonfim.

O Suicida (conto policial)


Quando do passamento do interno Audálio Olvedo, a causa mortis, segundo o médico do próprio Sanatório F. Nietzsche, deveu-se a uma otite aguda causada por severa ação bacteriana.  Ninguém ousaria contestar o laudo oficial daquele profissional respeitável,  mas Honório Bustos Domecq, companheiro de quarto e adversário preferido do  morto em memoráveis partidas de xadrez, sustentava a versão de suicídio.

 

- Para que se resolva este caso, senhor – opinou Domecq dirigindo-se ao  diretor da instituição de recuperação de esquizofrênicos -  precisamos antes descobrir quem fez facilitou a entrada de uma pistola nesta casa.

 

- Uma pistola. O que o senhor quer dizer?

 

- Quero dizer que  a vítima, por alguma razão, foi induzid a disparar contra o próprio ouvido.

 

O Diretor não se alterou.  Para ele não era novidade que  o paciente Jorge Luis Borba assumisse a personalidade de detetives imaginários, de personagens consagrados pela ficção policial. Um dia era Marlowe, outro podia ser Maigret. Às vezes acordava Sherlock Holmes e dormia Inspetor Espinosa. Era a sua mania.  Por causa dela era que vinha sendo, sistematicamente , ao longo dos anos, sempre que as crises se acentuavam, recolhido àquele manicômio. O momento, a ocorrência do óbito em si, também colaboravam.

 

Experiente o Diretor sabia dos riscos de contrariar os delírios de um interno e, sendo ele próprio um aficionado aos romances de detetive,  achou melhor fazer o jogo.

 

- Ok, Domecq. Ordenarei uma busca. Quando localizarmos a arma a encaminharemos à pericia técnica. Quem sabe descobrindo em nome de quem está registrada possamos chegar ao mentor do crime.

 

- Adianto porém que já localizei a arma, senhor.

 

- Já? Quanta presteza, rapaz! E a trouxe consigo?

 
Quem depositou sobre a mesa de carvalho  diretor aquela pistola d’água de plástico transparente com detalhes verdes, e tinha nos lábios um sorriso triunfante, não era o interno José Luis Borba -  mas Honório Bustos Domecq, um dos mais perspicazes detetives do gênero literário policial.

haicai

Sol a pino arde
Bicho-preguiça espreguiça-se
Acordou tarde

haicai

A melancolía
É como cólica – de tanto comer
Melancia