09 abril, 2009

404. o buraco

O BURACO


Ocorreu mais ou menos como vou lhes descrever: mal o ônibus 779, Vila Buarque – Estação da Luz, adentrou o túnel mal iluminado na região central, apelidado pelos paulistanos mais antigos de buraco do Adhemar, o rapaz de touca azul-escura e moletom, sentado logo atrás do motorista, sacou de um revólver niquelado...

Este conto meu saiu pelo site português Letrário. Para lê-lo por inteiro acessem o link.http://www.letrario.pt/1_pt/900/9002.htm

08 abril, 2009

403. naufrago (cartum)




402. implicância

Ele se foi já faz um bom tempo, mas nada comparado ao tempo que se aturaram e que contaram em bodas. O cheiro ainda espalhado por aí, impregnado em tudo. Outro dia ela achou detrás da cômoda uma bituca de cigarro da marca que o matou. Noutro, evidências de que ele a traía com uma diarista que também já se tinha ido - desvio que para ela não representou nenhuma novidade.

Esperava que sem ele os sinais logo se apagassem. Pois se assim fosse não correria mais o risco de enlouquecer. Agora já não tem tanta certeza: Toca a vida cuidando das plantas, do gato, da vida alheia. E a irritar-se quando se depara com o vaso sanitário com a tampa levantada.

401. papo cabeça

Cabeça era o papo, modernosos os óculos intelectualóides e o corte de cabelo.

- Sexo é o duto, ralo para onde convergem umidades. Decifra-me!

Assunto para tese e meia.

A transa rolou ao som minimalista eletrônico de um DJ de nome infantil. BB Kids ou o equivalente. No clímax gemia citações dos clássicos – em latim - e poemas sujos dos beatniks mortos.

No carpete as contas de um colar barato de pedras de lápis-lazúli adquirido por uma merreca em uma mercado de pulgas na Vila Madalena. Roupas de brechó. E preservativos intactos. E outra vez o papo cabeça.

400. ofídia

Cleópatra, Cléo na intimidade, era a rainha do agito. Balada, para ela, não tinha dia nem hora. Uma noite excedeu-se nos estimulantes e perdeu o rumo. Encontraram-na no dia seguinte, morta, dentro da cova das cascavéis no Instituto Butantã.

06 abril, 2009

399. (poema concreto)

cavo cavo cavo cavo cavo cavo cavo
cavo cavo cavo cavo cavo cavo
cavo cavo cavo cavo cavo
cavo cavo cavo cavo
cavo cavo cavo
cavo cavo
cova

398. hai kai n.20

cogumelo pálido
no esterco úmido. lembro:
esqueci meu guarda-chuva.

397. hai kai n.19

dentro da lanterna
tatuagem viva
mariposa azul.

396. hai kai n.18

brisa outonal
fantasma trêmulo
suspenso no varal

395. hai kai n.17

gota de orvalho
nas orelha-de-pau
um mimo de brinco.

394. relógio

O estado do corpo carbonizado dentro do automóvel era lastimável: dentes arreganhados, olhos cozidos... aspecto de múmia egípcia desenfaixada. Imaginei: vai ser barra para o médico-legista proceder a identificação. Por experiência (dez anos lotado na delegacia de crimes), de antemão descartei totalmente a possibilidade de assalto – o relógio da vítima, um autêntico rolex, intacto e derretido, os ponteiros indicando a hora derradeira do infeliz. A imagem lembrou-me uma pintura do Dali. Fiquei sensibilizado. Porra, eu devia ter sido artista.

393. disponível

A mão, pedi-a, quando tive certeza que encontrara a jóia certa com que podia orná-la. Então a mão se interpôs entre mim e o corpo que era a sua extensão: para trás que daqui não passas! Não insisti. Retrocedi. Saindo do seu raio de ação penhorei a jóia com um turco velho no centro e apregoei em sites de relacionamento a minha disponibilidade.

392. enlouquecendo

Espáduas nuas. Era o que mais o enlouquecia. Até no último instante . Até ela dar-lhe as costas e ir-se sem olhar para trás. Até distanciar-se, sumir, deixá-lo na mão.

391. esforço

Pés. Fazia-os toda semana só para agradá-lo. Satisfazer seu fetiche. Amputava-se, esta que é a verdade. Que por causa da outra, cheia de dedos, ele trocou os pés pelas mãos.