23 janeiro, 2009

369. o apóstolo do mês

Três apóstolos apregoavam seus feitos. Um deles seria escolhido como O Apóstolo do Mês e teria seu nome gravado na entrada do Templo.

O primeiro, brincalhão, disse: Senhores, vendi o almoço pra comprar a janta. Houve variação na bolsa, o preço dos alimentos caiu no fim da tarde. Lucrei quinze sestércios.

O segundo, homem em quem não se podia confiar, confessou sem escrúpulos: Já eu, vendi meu mestre por trinta moedas. Saí no lucro. Há profeta demais na Palestina. Muita oferta, pouca procura.

O terceiro, normalmente homem de pouca fé, surpreendeu:

Eu arrisquei na bolsa de apostas dos fariseus e estourei a banca! Acertei que Ele ressuscitava em três dias. Eu sou o cara!

368. pena

No ginásio ainda ele roubou-lhe um beijo. Depois, mais tarde, roubou uma rosa e lhe deu de presente. Não demorou tomou de assalto o seu coração. Agora envelhecem juntos e ele deu para se queixar: parece que cumpro pena.

367. erro médico

- Errei. – admitiu o médico. Os azuis acinzentados baixos sob as lentes denotavam humildade. Qualidade que o seu interlocutor jamais imaginou que ele tivesse.

O oficial comandante do Campo, homem forjado na dura disciplina, porém, não o repreendeu. Ao contrário foi paternal, tocou-lhe o ombro respeitoso e solidário e quis dizer-lhe, como se diz nessas horas como apoio ao faltante ou por mera falta do que dizer, que errar é humano; mas a frase, no seu entender, não era a mais adequada. Em suma humanidade não combinava mesmo com aquele médico de reconhecidas fama e competência.

- O homem sábio sempre aprende com os erros – incentivou-o – Continue tentando, Dr. Mengele.

366. erudição

Ela faz palavras cruzadas. Ele lê o caderno de esportes.

- Benhê, o que é Clássico? Com sete letras.

Ele, sem desviar os olhos da matéria, sorri. Adora ser consultado. Satisfaz muitíssimo o seu ego. Além de atestar, acredita, a sua inegável supremacia de macho.

- Taí! De Clássico, amor, eu entendo. Vou te dar um exemplo: por coincidência estou lendo justamente uma reportagem sobre o clássico que vai rolar hoje no Pacaembu. Corinthians versus São Paulo. Isso é clássico, entende? Jogo de primeira. Briga de cachorro grande. Duelo de titãs.


Ela rabisca que rabisca e Ele viaja:

- Outro exemplo, veja, é a música clássica. Só bacana curte este gênero. Pra ouvido refinado, de intelectual, entende? Pagodeiro, se entra no Teatro Municipal, fica logo constrangido, deslocado, desfocado.

Ela está concentrada. Parece que não ouviu nada da dissertação na qual ele tanto se empenhou.

Ele percebe e se queixa:

- Amor! Você faz uma pergunta, eu respondo, e você nem aí!

- Ah! Brigadinho, bem. Já achei. Erudito.

- Era o Dito?

- Isso aí.

365. trem da morte

Lugo buscava aventuras. Mochila às costas tomou o Trem da Morte e rumou para Machu Pichu. Faria a Trilha Inca. Viagem cansativa, estafante, a certa altura levantou-se para esticar as pernas e logo entabulou um papo em legítimo portunhol com o maquinista, um sujeito simpático, meio índio. Falavam de futebol, pra variar, quando numa curva surgiu de repente no meio da linha, a face oculta por um chapéu de palha rústico, uma anciã esquálida e encurvada.

Não houve tempo de frear nem nada. O baque esperado não veio. A locomotiva, centopéia de aço, seguiu em frente.

Lugo quase desmaiou. Quando conseguiu se recompor, estranhou que o semblante do maquinista sequer tivesse se alterado.

- O que fue... aquillo, compañero?

- Que?

- La vieja!

-Ah! – Riu o homem com a naturalidade de quem já se acostumara com as manifestações do inusitado. E disse-lhe: - És la muerte, muchacho. Pide aventón*

*.carona