31 outubro, 2007

305. 25 de março de 2007


o camelô chegou antes de amanhecer armou a barraca naquele ponto de intenso movimento e esperou o dia inteiro as pessoas possiveis fregueses clientes potenciais que passaram indiferentes assim como os guardas municipais que também deram as caras estranhamente ignorando a sua visivel apreensão nada apreenderam e só no fim da tarde um bancário ou securitário meia-idade récem-demitido fez-lhe uma oferta:
"dou três paus nessa barraca, parceiro. um em cash e dois no pré-datado".

304. blue viagra


o som ambiente (kenny g) dá o clima.

- sobe? - pergunta-me a ascensorista mais sexy do mundo com um sorriso sensual a desabrochar nos lábios rubros.

remoço vinte anos, sorrio de volta, e respondo pleno de confiança e força:

- não tenha dúvida, baby.

a cartela de pilulas azuis no bolso da jaqueta é o segredo do meu super-poder. ninguém pode saber, assim como da minha identidade secreta. vamos às alturas.

26 outubro, 2007

303. olhar fulminante


ninguém que se dignasse cumprir sua última vontade : uns por caridade cristã (deus dá a vida, só ele pode tirá-la), outros por temer a justiça dos homens. de repente lembra-se de quando falavam que tinha um olhar fulminante, mira a superfície cromada da máquina a que está conectado por fios há anos , e descobre poder fazer algo sem depender deles.

302. naturismo


amou-a secretamente desde o primeiro instante em que foram apresentados por um amigo comum no clube de naturismo. excitava-o vesti-la com os olhos.

10 outubro, 2007

301. vegetal


vendo o velho ali, prostrado em um leito hospitalar em estado vegetativo, não teve dúvidas: abriu a braguilha e regou-o efusivamente.
o médico havia se enganado. o paciente não perdera de todo a sensibilidade. comprovou-o ao decifrar na iris opaca do enfermo resquicios de um ódio antigo, de uma prepotência agora domada pela impotência.

300. o enforcado

o cheiro da ingrata - também o do outro com quem havia dormido e fugido àquela quinta - ainda impregnado nos lençóis com que o desgraçado teceu a corda.

289. vamp


- mais depressa, por favor - quase suplicou a jovem passageira, os lábios roxos, a voz angustiada.
- preciso chegar a este endereço antes que amanheça!

ele disse é prá já, moça, e acelerou. no caminho pensou em marcar urgente uma consulta com o oculista. ou, quem sabe, entrar com os papéis da aposentadoria - por que não?

pelo retrovisor, via apenas o banco traseiro, o estofado de couro vermelho, vazio.

288. calafrio


quinze para a meia-noite deixa meio zonzo o prédio cinzento do IML onde acaba de identificar o corpo do tio solteirão que desaparecera já há alguns meses e dirige-se ao metrô consolação. arrasta os passos sem pressa, desce as escadas, cruza a frieza metálica da catraca e posta-se na plataforma. está sozinho.

mãos nos bolsos da jaqueta jeans desbotada, sentidos estimulados por sucessivas doses de cafeína, espera junto à linha amarela.
o trem assoma no túnel. o serviço de alto-falante todavia anuncia que o mesmo será recolhido para manutenção e portanto não há de parar naquela estação - um procedimento técnico, de praxe.

o trem se aproxima, o deslocamento de ar lhe assanha os cabelos que começam a rarear. os vagões, as luzes acesas, passam rápidos à distancia de dois palmos do seu nariz constipado. ele os supõe vazios mas o que vê ou imagina ver é um passageiro solitário, olhos profundos a acenar-lhe com a mão raquítica e ossuda, a dar-lhe um solitário adeus.

"Tio...", balbucia ao mesmo tempo que sente um calafrio percorrer-lhe a espinha e morrer na base da nuca.

o trem já passou.

24 julho, 2007

287. há vagas


Doutor Firmino Fortes, a pretexto de exercitar sua autoridade de gerente-geral récem-nomeado, logo no primeiro dia despediu sem mais delongas dona Marioneide, a faxineira, nordestina, analfabeta, oito filhos pequenos para criar.
Olhos úmidos, impotente, Dona Marioneide só conseguia balbuciar com sotaque: "o senhor não tem coração, doutor".
Enganava-se a infeliz. Que ele o tinha. Com quatro pontes. Aquelas que ainda aquela noite, ruiriam sob o peso da sua prepotência.
Dia seguinte, no quadro de contratações da empresa, duas novas vagas. A fila, lá fora, dobrava o quarteirão.

286. haiti


jean-pierre matou a golpe de machete seu louis-antoine seu vizinho e desafeto e tentou se desfazer do corpo atirando-o no penhasco que dava para o mar.
teve porém de fazê-lo por mais de uma dúzia de vezes, tomando o cuidado de mudar sempre o local e o modo - ora era um poço abandonado com uma pedra amarrada no pescoço, ora uma cova rasa na mata fechada ou uma pedreira desativada - porque no dia seguinte, teimosamente, lá estava o maldito de volta a atormentá-lo. cansado daquilo tudo, jean-pierre confessou o crime e se entregou à policia. foi condenado por homicidio mas - menos mal - livrou-se da acusação de ocultação de cadáver.

285. amor aos pedaços


esperava-a. ela, como sempre, atrasou-se. ele não conseguiu se conter: devorou voluptuosamente o coração de chocolate com que a presentearia.
quando ela apareceu ele, meia hora depois, ele ainda mastigava o último pedaço e lambia os lábios.
acabou-se, ele disse. não sou aquele cara sem vicios que voce pensou que eu fosse.

284. bolsa-familia

ir pro sul? pra quê? nem pensar! - riu-se joão climério, o polígamo, na fila do bolsa-familia em cabrobó.

10 julho, 2007

283. big brother

expôs-se por dez semanas em um reality show e ganhou um milhão de reais. a fama subiu-lhe a cabeça. ontem esmurrou um paparazzi por invadir sua intimidade.

282. excursão

a excursão do pessoal da terceira idade pelos igarapés terminou em tragedia: nopescoço do bugre abatido um colar de dentaduras

281. dúvida

político de carreria, tarimbado, uma única dúvida o incomodava: vender amãe é nepotismo?

20 abril, 2007

280. invocado


era um sujeito invocado. invocado e perigoso. bastava que alguém lhe olhasse torto para que ele lhe tirasse a vida. já tinha matado pra mais de vinte. dezoito deles eram vesgos.

279. alquimia


nas bodas de ouro ela o encheu de chumbo.

278. dedo-duro



o oyabun* mostrou afinidade com a faca yanagi - havia sido um hábil sushiman quando jovem, em nagoya.- e decepou, um a um os dedos que se lhe eram oferecidos pelos seus homens. só assim pode identificar o delator.

* chefão da máfia japonesa, a yakuza.

277. Perícia


a conclusão do perito criminal sobre o "decujus" da vítima encontrada morta no clube de nudismo pareceu-me contraditória:

- levou um tiro a queima-roupa.

28 março, 2007

276. mondo cane

fizeram amor de forma animal - estavam ligados, definitivamente, um ao outro.

275. cantada I


quer trepar comigo? sim? não? ok. cê sabe: quem cala, consente, mudinha .

274. desandando


escreveu um livro, fez um filho e plantou uma árvore. sentia-se plenamente realizado como profissional, pai e ecologista quando as coisas começaram a dar errado: foi processado por plágio, a mulher revelou-lhe que o filho era do seu editor, os galhos da árvore cresceram e invadiram o seu escritório e ele, num acesso de fúria, podou-os com uma motoserra - foi multado em mil e duzentos reais.

273. campeão de audiência


a deusa-mídia, dona do seu destino, por tê-lo criado reinvindicava o divino direito de destruí-lo quando ele se tornasse desnecessário aos seus própositos. ele se antecipou e apontando o controle remoto contra a própria cabeça cometeu suicidio: estava no auge. seus últimos índices de audiência alcançaram 32 pontos àquela noite.

272. matou a familia I


o menor infrator matou a família e foi ao cinema: "cai fora, pirralho!" - escorraçou-o o bilheteiro - "que esta sessão é pra maiores de dezoito!"

271. quem avisa...

o teu está na reta - alertou. e o outro ainda olhou torto.

270. choque térmico

com a garrafa de café acertou-lhe os cornos.

269. publicitário, ex-marine

invadiu uma escola primária no oregon portando um fuzil de assalto M-16. encontrara enfim o seu público-alvo.

268. ensaio


fiz o ensaio fotográfico da garota da laje, disse o papiloscopista.

08 março, 2007

267. enigma


de-me cifras ou te defloro! - ameaçava.
e a prostituta morria de rir do modo empolado de falar daquele velhinho safado.

266. o mago


à margem do que um dia foi o rio piedra, o mago sentou e chorou - água mesmo só dos seus olhos.

265. o atirador


- reconheces que fostes tu que atirastes ontem contra os transeúntes? - interrogou o juiz.
- para ser franco, meritíssimo, sim.

264. hábito


sempre cinco quilos acima do peso. culpa do hábito (comer unhas) e do emprego - era manicure desde os dezesseis.

263. proust


marcel costumava andar sozinho pela praia. não refletia; apenas buscava o tempo perdido. uma vez achou um relógio zerinho...

262. o concurso


na pressa tinha errado a mão e digitado: concurso de minicoitos. o que bastava para explicar a insistência daqueles anões para que os atendesse.

12 fevereiro, 2007

261. o último boitatá


na escuridão da floresta latifoliada mil olhos o espreitavam.

260. falsidade ideológica

não, não era comunista. nunca o fora. nem cogitava ser - negou por três vezes.

259. sada abe

hábil com a faca, enquanto fatiava o nabo "daikon", sada* sorria.


*. sada abe, “geisha” que em 1936 matou o seu amante e lhe cortou o pénis (inspiradora do filme "o império dos sentidos", de nagisa oshima.

258. curare


dose única. milimétrica - só pra relaxar.

08 janeiro, 2007

257. destino


nos anos de chumbo, para não ser morto, caiu na clandestinidade; atualmente, para sobreviver, pilota um ônibus clandestino.

256. lei da oferta e da procura


vendo apenas o corpo - disse a prostituta ao pobre diabo.

255. retrospectiva 2006


odiava o natal - nada para ver na TV além das retrospectivas - foi dormir cedo. na cama, o ano inteiro passou como um filme diante dos seus olhos.

254. natal letal


matou o amigo oculto e ocultou o cadáver.