18 março, 2009

388. hai kai n.16

Em boca fechada, não entra mosquito
Já em água parada
Rola o maior agito

387. hai kai n.15

Olhos úmidos
Rasos
Rio assoreado

386. hai kai n.14

Escura é a lágrima
Que escorre na face
do menino carvoeiro

385. hai kai n.13

Madrugada adentro
Um cão ladra
E afugenta meu sono

384. lady alaíde

Lady Alaíde ganhou de presente
Um alaúde
Coitadinha se ilude:
Um dia ainda vou saber tocar este alaúde.

Lady Alaíde pediu a Mestre Ataíde que a ajude
A ensine a tocar o alaúde
Mas Mestre Ataíde
Anda mal de saúde
(Dizem a meia-boca que até já comprou um ataúde)

Mas Lady Alaíde
Não duvide
É moça de atitude
Dispõe-se a gastar sua juventude
Aprendendo a tocar o bendito alaúde.

Aconselhou-a Mestre Ataíde:
Alaíde, Alaíde
Não se fie em quem te aplaude
Cuide-se, não se descuide
Estude, estude e estude.
Se não der certo, paciência:
Case-se com o Alcaide.

383. pernas

Ela cruzou meu caminho . Cruzou as pernas. Persignei-me e ela perseguiu-me sonho afora, noite adentro. Pernas, como te quero !

383. vinganças que não vingaram II

Serviu ao marido uma terrina fumegante: o cheiro do tempero, das especiarias – e do veneno – escancararam-lhe o apetite. A fome capitulando ante a ameaça. E o canalha sobreviveu. Só depois chegou à conclusão de que de fato pratos quentes não combinam com vingança.

382. vinganças que não vingaram I

Arquitetou vingança sórdida contra seu pior desafeto: o prédio haveria de desabar e soterrá-lo sob toneladas e toneladas de concreto. A vingança, porém, não se concretizou. O prédio resiste. Seu currículo de Arquiteto continua sem irrepreensível.

381. o ex-mágico

Deu-se em Palermo faz algumas semanas: após confessar seus mais recentes crimes, o Capo local quis ter certeza de que o padre não iria abrir o bico e ordenou que ali mesmo, em frente alguns dos seus paroquianos que aguardavam a hora da missa, um dos seus capangas metralhassem impiedosamente o confessionário; depois saiu como se nada tivesse acontecido.

E, para estupefação dos que ali se encontravam, de fato nada aconteceu; pois logo em seguida o velho pároco abriu a portinhola e saiu ileso e impecável em sua batina preta.

Atirava-se já aos seus pés a beata mais antiga e devota gritando Milagre!,quando o padre a impediu:

“Milagre coisa nenhuma, dona Piovanna”, ralhou. “Milagre é coisa de santo e eu não passo de um pobre pecador.”

Só então ela lembrou-se de que quando eram jovens, o padre, oriundo de uma tradicional família local, tinha se encantado com um circo mambembe que passava pela cidade e acabara fugindo com ele a despeito da vontade paterna para que fosse estudar leis em Roma.

“Não esqueçam” alertou sem nenhuma modéstia porém no mesmo tom solene com que costumava fazer seus sermões: “Que já fui o maior mágico que esta península já teve. Em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo, Amém!”

A liturgia prosseguiu normalmente, sem sobressaltos.