15 maio, 2009

438. a novidade

Aquele dia Marlo acordou cedo sem reclamar, comeu frutas e cereais no café da manhã e salada de almeirão no almoço, chegou pontualmente à escola, assistiu atentamente às aulas, voltou direto para casa, fez todas as atividades escolares, tomou banho, escovou os dentes e dormiu cedo – por tudo isso acumulou-se uma quantidade substancial de bônus para o dia seguinte, quando ele seria submetido aos obstáculos do nível 2. Diante do monitor, aferrada ao joystick, sua mãe era de uma felicidade só. E a pensar que a princípio ela chegara a duvidar das potencialidades daquele game pedagógico!!

437. mino, o pequenino

“Em nome de que potentado vens a mim, ó homem de diminuta compleição? – inquiriu, soberbo e soberano, do alto do magnífico corcel azeviche que o tornava ainda mais imponente, Alexandre, o Grande, ao anão que lhe trouxeram suspenso pelos bracinhos curtos os soldados-batedores.

“De nenhum daqueles pobres governantes que ao teu poder belicoso se submetem ou hão de se submeter, ó supremo conquistador. Venho antes em meu próprio nome: sou Mino, o pequenino, filho bastardo de Horácolo”

Houve, reza a antiga lenda, um silêncio ensurdecedor sem dimensões ante tamanha ousadia que nem mesmo os amaldiçoados insetos que infestavam àquelas remotas paragens da Ásia Menor ousavam maculá-lo com seu irritante zumbido.

“Vosso nome e o do vosso pai nada são e nada me dizem. Mas é demasiado grande a vossa afronta comparada ao vosso tamanho”, advertiu Alexandre, não escondendo porém a admiração pela coragem daquele homenzinho corrugado e corcunda que parecia ter sido parido do ventre das montanhas vermelhas em forma de corcova que os exércitos da Macedônia então cruzavam.

O pequenino não desviou nem baixou os olhos miúdos; assim como não cogitou voltar atrás no que dissera.

“O que vem de baixo jamais me atinge!”, advertiu soberbo o Semideus. “Mas enfim, dizei-me o que queres, que sobre tudo e todos, nos céus, na terra e no mar, legislo e reino absoluto”

“Não quero nada senão o direito de olhar nossos vossos olhos, ó Rei dos reis!”

Alexandre relaxou a postura e riu embevecido: “Um admirador dos meus feitos, é o que tu és?”

“Sim, majestade. Pereceria frustrado da mesma forma se não o visse antes que morresse”

“E quem disse que pretendo matá-lo, ó miúdo?”, divertiu-se o Macedônio. E com ele riram seus generais e ordenanças.

“Desculpe-me, senhor! Quis dizer, antes de vossa morte”

Uma nuvem negra eclipsou o sol do meio-dia. Murmúrios de incredulidade em uníssono reverberaram nas encostas sem vegetação. Alexandre, repentina e definitivamente, perdeu a divina paciência, encolerizou-se, e ordenou que executassem o anão ali mesmo;o que não representou tarefa difícil para o seu arqueiro preferido.

Dias depois, em sonho, encontram-se novamente, vítima e algoz. Uma espécie de deja vu.

“Que queres?”, pergunta Alexandre com a mesma autoridade de sempre.

“De vós nada, senão esperar”

“Esperar o que, ó ser ínfimo?”

“Esperar por vós, ó nobre guerreiro, que não deveis demorar!”

14 maio, 2009

436. o mártir

Embora eu seja magro, delgado mais para o raquítico, foi-me deveras penoso compartilhar o assento do ônibus com aquela senhora de massa corporal avantajada. Injusto compartilhamento: três quartos para ela, um para mim. Como o percurso a ser percorrido levava algumas horas, ao longo delas, por tal penitência não declarada pelo pároco da nossa freguesia, desconfio que tenha zerado finalmente a minha cota de culpas e pecados veniais. Trocamos poucas palavras. Explico: a minha companheira de viagem não era lá de conversar muito e percebi que ocupava melhor suas mãos e boca com outra atividade mais dinâmica: a da ingestão. Seus maxilares davam duro sob as papadas e pareceram-me rodas dentadas, engrenagens azeitadas de uma verdadeira máquina de triturar.

Ao desembarcarmos na estação da Praça Garibaldi, senti-me como um mártir cujo corpo tivesse sido submetido a, digamos, um torturante espremedor de laranjas ( pergunto-me como foi que os inquisidores não tiveram esta brilhante e sádica idéia) e desabafei com um suspiro de profundo alívio:

“Descei sobre nós, ó Espírito Santo!”

Algumas velhinhas que também desciam do nosso ônibus, testemunhas oculares do meu triste martírio, se persignaram ou beijaram com fervor seus escapulários quando, não por um alto desígnio do divino, mas por causa das tantas migalhas impregnadas no meu terno, cabelos e bigode, uma revoada de pombos desceu sobre mim.

435. edberto, o homem-estátua

Edberto era um rapaz honesto e de boa índole que, vítima do desemprego, decidiu virar homem-estátua. Todo santo dia, fizesse sol ou chuva, lá estava o Edberto, na Praça da Sé, batalhando imóvel por uns trocados. No dia sete de agosto de 1999, logo pela manhã, os funcionários da Subprefeitura do Centro vieram com um caminhão-baú e removeram o Edberto para o largo da Batata; e ele, por mais que tentasse opor resistência àquela arbitrariedade, não conseguiu articular palavra alguma nem se mexer. Em Pinheiros, firmado em um canteiro mal-cuidado e já resignado, Edberto-estátua adormeceu e acordou, sem saber como, novamente na praça da Sé, entre mendigos e pombos. Nova remoção foi providenciada e, dias depois, lá estava o Edberto-estátua outra vez no centro da cidade. O fato inusitado e inexplicável gerou polêmica e ganhou imediatamente as manchetes dos matutinos sensacionalista. Porém, de tão explorado que foi, perdeu a graça e acabou se tornando desinteressante. Menos, é claro, para os devotos de São Edberto que todo dia sete de Agosto levam a sua imagem em procissão da Praça da Sé ao Largo da Batata, de onde, certamente, como sempre tem sucedido, ele há de por seus próprios meios retornar. Se um dia isso não acontecer, dizem, o rio Pinheiros vai reverter o seu curso e pode ser até que garoe em São Paulo.

434. um milagre

- Diz-me com quem andas... disse o mestre – que te direi quem és.
- Então - contestou o jovem que lhe ouvia atento - não saberás jamais quem sou, Rabi!
- E por que pensas assim, ó filho?
- Como direi com quem ando se sequer "ando"?
- Sábia dedução – disse o Mestre a sorrir e dando plena razão àquele pobre rapaz que desde a infância vivia entrevado. E assim, entendendo que a situação exigia um milagre, ordenou com um gesto:
- Levanta-te e anda, filho! Para que eu possa te conhecer!

12 maio, 2009

433. versão contestável

Vim, vi e venci – apregoou Julio descaradamente. Pois soube-se depois que quem na verdade havia vindo era César seu irmão gêmeo; E visto não havia pois que ambos os irmãos pelo o que se sabe eram cegos de nascença – já o fato de cantar vitória, trata-se apenas e tão somente da sua versão. Contestável até que possa ouvir o outro lado.
En fila índia los soldados pakistaníes (em fila indiana os soldados paquistaneses.

(Enviado ao concurso "Un cuento en seis palabras" - Navona Editora - http://www.navonaed.com )

432. seriado I

La novicia voladora no tenía licencia ( a noviça voadora não tinha brevê )

(Enviado ao concurso "Un cuento en seis palabras" - Navona Editora - http://www.navonaed.com )

431. o sonho de monterosso

Perdió el sueño y contó dinosaurios.

(Enviado ao concurso "Un cuento en seis palabras" - Navona Editora - http://www.navonaed.com )