26 agosto, 2009

486. hai kai n.27

Perco os cabelos
Desemaranham-se
Meus pesadelos

485. hai kai n.26

Nos ilumina
Lanterna japonesa
Made in china

24 agosto, 2009

484. a proposta

Dorme e queima lata na própria obra. Faz economia. Cada centavo ganho cá lá no Norte vale o triplo. Domingo quase não sai. Não bebe, não fuma, apenas poupa, guarda. E guarda-se para Rosa que ficou lá em Novo Oriente, esperando-o para o fim do ano.

Do vigésimo andar obra tem vista privilegiada. Pode dizer que conhece São Paulo. De vista.

Agora os crentes deram de aparecer nos finais de semana. Sobem, distribuem revistas, versões de bolso do Novo Testamento, convites para o culto, oram, cantam cânticos.

O pastor é de uma cidade lá perto da sua. Fala empolgado, com desenvoltura, quase sem sotaque. Cita de cor os Evangelhos. Pede contribuição.

Ontem veio novamente. Tinha os olhos injetados e disse estar possuído pelo fogo do Espírito Santo. Tinha uma proposta. Ali mesmo no parapeito apontou para as centenas de minaretes de concreto erguidos por outros tantos conterrâneos que os precederam. “Assim como ao povo de Moisés coube erguer as pirâmides do Egito”, disse.

“Ajoelha-te e me presta adoração!”, disse o pastor. “E tudo isso será teu!”

Na sua simplicidade não pode entender que o homem recitava um versículo emprestado da Bíblia. Bíblia que jamais havia lido. Aliás, nunca havia sido capaz de juntar as letras, de aprender a ler.

Intuiu, pressentiu, porém, quão malévola era a proposta. Quando a esmola é demais, dizem lá na sua terra, até o santo desconfia. Não queria tanto. Queria apenas juntar um bom dinheiro e voltar para Rosa. Só isso.

“Meu mundo não é deste reino”, desculpou-se. E saiu. O outro quedou-se perplexo, boquiaberto, sem argumento.

Desceu. Lá embaixo sentiu-se pequeno, oprimido, um inseto. Na esquina salvou-o um bar aberto. Fazia frio. Entrou. E depois de cinco meses abstêmio, pediu uma pinga.

483. dos Insetos

Era uma vez uma borboleta chamada SunTzu que, em um café da moda, conheceu uma barata chamada Gregor Samsa. Entre um chá e um café expresso, entabularam uma animada conversa e descobriram interesses comuns: livros, vinhos, charutos, belas mulheres, música clássica... Mas como tudo é efêmero e superficial nessa vida de inseto, entre baforadas espessas o sonho logo se dissipou: Sun Tzu voltou a vender pastel na feira aos sábados; e Joseph K a cuidar da sua lojinha de miudezas no Bom Retiro.