30 novembro, 2010

604. hai cai n. 74

Saquê em excesso
No restaurante Mitsuzu
Onde o meu sapato?

603. hai cai n. 73

Sinal fechado
Vendedora de caqui
Toda faceira

602. hai cai n. 71

Gavião de penacho
Desafia o pintinho:
Desce, se for macho!

601. hai kai n.70

Guarde sigilo
pediu a cigarra ingênua
ao camarada grilo

600. hai kai n.69

Casamento hippie
Sobre os noivos uma salva
De arroz integral

599. hai kai n.68

Com o rei de Liliput
Tamanho e documento
Ninguém discute

598. hai kai n.67

Triste despedida
Que fazer com esta carta?
Outro origami?

597. hai kai n.66

Uiva para a lua
O lobisomem idoso
Reumatismo crônico

596. hai kai n.65

Terminada a feira
Menininha Guarani
Recolhe o jantar

595. acerto

Agora eram só os dois. O prato para se comer frio e as facas. O ofendido sabia do gosto do ofensor e que um dia o paladar o trairia. Morreria como o peixe que ali era servido: pela boca.

594. mistura

Eram os tempos difíceis do pós-guerra. Antes da mãe servir a rala sopa de lentilhas ele disse: Vou buscar alguma mistura. Saiu. E voltou anos só depois conduzindo pela mão um garotinho que era a cara dele, mas com a pele de uma cor que contrastava com o que ainda restava da família. Do porta-retratos o velho pai, garboso em seu uniforme da Gestapo, o fuzilava com o olhar; como se ele pertencesse a uma daquelas tribos de Davi.

29 outubro, 2010

593. o homem centenário

O sonho é mais ou menos assim: voce chega exausto do trabalho ao apartamento ou à casa aonde mora, abre a porta e, na penumbra da sala... Surpresa! Sobre a mesa há bebidas, salgados e um belíssimo bolo de creme e confeitos de chocolate (como voce gosta) com uma velinha solitária de número 100 acesa e fincada bem no meio.
Ei, voce diz, Onde está todo mundo? Não há resposta. E voce pensa que seus amigos estão lhe aprontando alguma, mas espera que surjam de repente das sombras e cantem parabéns pra voce e o abracem, e o beijem, e o cumprimentem por mais um aniversário. Mas ninguém dá as caras.
Até que a vela se consuma, você vai perceber que eles já se foram há muito tempo.

14 outubro, 2010

592. hai kai n.64

Cá dentro de mim
O vazio é só pretexto
Para que me ocupes

591. hai kai n.63

Lua na sarjeta
A moeda que o poeta
Deu de gorjeta

590. hai kai .62

Barulhinho de chuva
Me encolho todo na cama
Esticando o sonho

589. Biawak Raksasa (Dragão-de-Komodo)

Da desafortunada fotógrafa alemã Bertha Von Weingast, da National Geographic, encontraram apenas a câmera Nikon D3X de 24,5 megapixels, os óculos de sol da grife italiana Dolce&Gabbana, e um livro do escritor Hondurenho Augusto Monterroso. O "dinossauro indonésio", principal suspeito de a ter devorado, já não estava lá.

13 outubro, 2010

Notícia boa em meio à enxurrada de Spams degradantes de uma campanha eleitoral de baixo nível:


Acabo de ser informado que o meu conto "Licantropo", foi o vencedor do concurso Minicontos Lupinos, organizado pelo escritor Alfer Medeiros, autor do livro Fúria Lupina .

Valeu!!!


http://towerofreading.blogspot.com/2010/10/encerrado-concurso-furia-lupina.html#more

08 outubro, 2010

588. agosto

“Agosto, desgosto”, pensou. A rima e o provérbio popular não ajudavam nem suavizavam em nada a sua situação. Pelo contrário. Decidiu então que contaria aos pais em Setembro. Pelo menos fugiria do lugar-comum e podia até calhar deles perceberem sua barriguinha de três meses, protuberante.

587. meio de vida

Dentro do trem vendo indulgências. É o meu meio de vida. Podia estar roubando, matando, me prostituindo... mas tenho quatro vícios pequenos para alimentar. E a virtude de ser um bom pai.

586. consciência ecológica (Homo-Pet)

Ao virar os quarenta, a rotina de procurar emprego para ele tornara-se uma espécie de tortura. “O senhor precisa se reciclar “, diziam ao descartá-lo. E ele não tinha como não se sentir um lixo.

585. tropa de elite

Subiram o morro dispostos a tudo. Missão: acabar com o inimigo, dizimá-lo. Aquele ano, garantiam, a dengue não ira se mostrar tão letal.

23 setembro, 2010

584. o cobrador (a Ruben Fonseca)

Foi lá chamou para si a responsabilidade. Estava confiante e, para convencer seus dez companheiros e o treinador de que era o mais preparado para fazê-lo, usou do argumento de que nunca havia desperdiçado uma penalidade máxima. Só não revelou, mesmo porque ninguém lhe perguntou, que jamais havia cobrado um pênalti antes.

583. hai cai n.61

Cores de setembro
Tingem olhos desbotados
Outra primavera

582. hai kai n.60

Dentro da armadura
Apenas um sonho antigo
De triste figura

16 setembro, 2010

581. dores & amores

Tia Zulmira morreu solteirona. Amou uma vez na sua vida (um carteiro) e não foi correspondida.

580. da arte de coçar

Aposentado, passava o dia à toa. A mulher chegava do trabalho e fazia sempre a mesma pergunta (que é que você fez hoje, bem?) para a qual ele dava sempre a mesma resposta: o dia inteiro coçando, fazer o que? Atrás da própria orelha, ela percebeu, havia muito mais que o aparelho bege para a surdez. Trair e coçar é natural dos desocupados. Coçar o safado já coçava.

06 setembro, 2010

FANTASTICON 2010


Estive no Fantasticon 2010 organizado pelo Silvio Alexandre revendo amigos, travando novas amizades, me interando das novidades da Literatura Fantástica. Fui prestigiar o Claudio Brites pelo seu romance ( a oito mãos) recém-lançado “A Tríade” e levar-lhe o meu abraço que estendi ao Nelson (Luis Brás) de Oliveira, ao sempre gentil Roberto Causo, ao Brontps Baruq, ao Mustafá Ali Kanso com quem primeiro dei de cara no evento, com o Ramiro Giroldo, e o meu amigo de Catanduva o sempre simpático Sid Castro.

Lá estavam também Ricardo Delfim, Larissa Caruso e Claudio Parreira (que conheci pessoalmente ao pedir um autógrafo do Portal 21) e o roteirista Alex Mir. O evento foi de uma efervescência tal que me senti meio perdidão no espaço entre os presentes.

Mas valeu. Ano que vem quero estar lá.

579. urbanodramas I


Tarde quente. 42 graus. Sol incinerador sobre São Paulo, o asfalto é uma chapa escura de lanchonete. O trânsito vilão assume sádico todas as culpas. O acidente – mais um- logo ali, próximo a alça de acesso ao Rodoanel. O caminhão com a placa de Bastos* tombou interditando a pista e a notícia correu rápida que nem fogo em favela:“Sal! Não esqueçam de levar sal! Temos o maior omelete do mundo!”


*.Cidade paulista conhecida como A Capital do Ovo

578. dos traumas da infância

As novas tecnologias eram para ele um verdadeiro tormento. De informática, por exemplo, aprendera apenas o comando COPIAR; quanto ao seu natural complementar, o COLAR, permanecia reticente. Isso ocorria talvez porque a figura severa do pai obrigando-o a estudar embaixo de ameaça lhe fosse recorrente. Parecia ouvi-lo vociferando: Se souber que você andou colando, moleque, eu te mato!

577. aragem

Problemas de ordem diversa o afligiam. Disse que ia sair para areja a cabeça. Encontraram-no com um furo na testa.

20 agosto, 2010

576. um conto policial ainda sem título

Naquele mundo às avessas, pensava o Sargento Cordeiro, nada mais o haveria de surpreender. E de repente - fogo no cerrado - o boato de que a mulher o corneava. “Tá cheirando a chifre queimado”, chacoteavam-no com crueldade, apontando-o pelas costas. Antes tivesse levado um tiro, pensou.

Educado, fino trato, manso como o animal que lhe dava o sobrenome, diziam, melhor que estivesse no serviço burocrático, no serviço de relações publicas da PM. Quem podia imaginá-lo em uma situação de risco?

Com a arma da corporação entendia não podia fazer os dois. Usaria a outra, com a numeração raspada, apreendida em diligência. Mamão com açúcar. Esperou. Para não agir ao sabor da emoção. Ocupou a cabeça em fazer simulações. Elaborava minuciosamente, escrevia e reescrevia mentalmente o roteiro. Na juventude, benditos arroubos, cometera alguns curtas em super 8. O sonho de tornar-se diretor de cinema todavia ficara para atrás. Virou mesmo foi policial, personagem de um filme violento e repetitivo.

Matou-os. Numa sexta-feira de Agosto em um Motel na saída da cidade. A cena do crime – as vítimas nuas sobre a cama redonda tingida de vermelho e refletidas no espelho do teto - fotografada pelo perito, por si só indicava que o amante assassinara a sua esposa e em seguida cometera suicídio.

Principal suspeito, o sargento Cordeiro tinha um álibi. Testemunhas e câmeras de circuito fechado do bar onde passara a noite do crime bebendo jogavam a seu favor. Estranho era que até então ele sempre havia se definido como abstêmio. Quando o perguntaram, disse que se decidira a tomar uns tragos para ver se afogava toda sua mágoa.

Um ano depois, calmas as águas, e com o pretexto de realizar o velho sonho de estudar Cinema pediu baixa e mudou-se para a Capital. Não disse pois ninguém precisava saber, mas ia morar justamente com o seu irmão gêmeo com quem nos momentos difíceis, sabia, sempre podia contar.

575. confissão

Matei-a sim. Mas foi por amor, juro! Por ódio jamais o faria. Se assim o fizesse, matasse por ódio, seria um assassino serial; pois odeio tudo e a todos. Só a ela amei. Minha mãezinha.

574. o trem de Ibiapaba


O “Trem Horário”, que eu me lembre, compadre, nunca se atrasava. O tempo naquele tempo é que vivia sempre avexado. Acho que pra mode nos envelhecer.

16 agosto, 2010



Em breve vai sair um E-book Minimos Contos, resultado do Concurso promovido pelo Simpósio Internacional de Contadores de Histórias. Entre os 33 selecionados tem um continho meu. Confiram.

http://www.simposiodecontadores.com.br/

573. hai kai n.59

No espelho do lago
O salgueiro -chorão penteia
Suas madeixas

572. hai kai n.58

Panapaná
Borboletas mil enfeitam
Meu chapéu panamá

23 junho, 2010

571. desconfianças

Só muitos anos depois dele morto – de desgosto – é que as suas feições começaram a tomar forma na face filho que sempre renegara.

Lançamento do livro/cd/ filme H2Horas na Casa das Rosas. Pipol, editor do site de Literatura Cronópios, minha filha Julia, e eu.

04 junho, 2010

570. hai kai n. 57

Entornado o Veronal
O morto – com cabelos
Transpõe o portal.

(Ao escritor japonês Akutagawa)

569. Apócrifo Cearense

Esaú – morador do Ipu
- Está lá, nas escrituras -
Cedeu sua primogenitura
Ao seu meio-irmão Jacó
Que era natural do Icó
Por um pedaço de rapadura.

*. Ao escritor conterrâneo Ronaldo Correia de Brito, autor dos livros: Galiléia, e O Livro dos Homens.

DULCINÉIA CATADORA - H2Horas


Dia 1 de junho, noite fria em Sampa. Casa das Rosas. Lá estive para o lançamento do H2Horas do Cronópios em parceria com o Coletivo Dulcinéia Catadora. Contos mínimos, fragmentos, poemas curtíssimos. Dei a minha pequena contibuição (um microconto lá na página 13). E tive o prazer de conhecer pessoas interessantetes como o Pipol (editor do Cronópios), Milton Felipetti (locutor do video H2Horas), o poeta e escritor Silas Correia Leite, o poeta Nestor Isejima Lampros e a artista plástica Lúcia Rosa, curadora do coletivo que já publicou autores como Marcelino Freire, Wilson Bueno, Xico Sá e Alice Ruiz entre outros.



Levei meu exemplar, é claro, e a escolha foi da minha filha, Julia.

31 maio, 2010

568. rimas

Clarisse sonhava em ser Miss
Ernesto queria ser honesto
Luis? Apenas ser feliz.

Raimundo – o estraga-prazeres –
Disse com todas as letras, hieróglifos e ideogramas
Parafraseando Carlos
Um gauche lá das Gerais:

Rima não é solução. Tirem o cavalinho da chuva.

Dito e feito:

Clarisse engordou cem quilos
Ernesto entrou pra política
Luis? Que é de Luis?

Dizem que caiu no mundo
Depois que Felicidade
Que não entrava na estória
Foi embora na garupa do cavalo de Raimundo.

03 maio, 2010

567. Francisco, meu avô.

Meu avô paterno, também Francisco como seu pai e meu pai e o filho que ainda não tive, quando moço, esteve na Amazônia. A cara e a coragem, uma mão na frente e outra atrás, este cearense obstinado subiu igarapés, venceu distâncias a remo, deu duro na coleta da borracha, ganhou cem contos de réis e doze malárias que curou a base de quinino. Saudade, porém, não se cura. Logo que pode ele tomou um Ita e regressou à terra árida que lhe viu nascer; e morreu de velhice aos cinquenta e oito anos.
*. esboço feito após um papo rápido, porém gratificante, que tive com o célebre escritor manauara Milton Hatoum.

566. o bom entendedor (miniconto)

“Carpen Dien”, concedeu pleno de erudição o sábio e célebre escritor Francês ao seu humilde serviçal Congolês que lhe pedira um dia de folga. O serviçal agradeceu com uma mesura e foi pescar Carpas no pavilhão japonês.

23 abril, 2010

565. hai kai n.56

Tão magrela, tão esbelta
Como cê faz, ó menina?
"Corro", diz a bicicleta

564. hai kai n.55

Faziam amor na rede
Nossos avós Cariris
Sítios de relacionamento.

563. hai kai n.54

Vaso de porcelana rara
Da dinastia Ming
Penico do Mandarim

562. koan (miniconto)

À mesa, o venerável Mestre Zen japonês Hakuin Ekaku perguntou ao mais néscio dos seus discipulos, Aguri Fumikazu, que fora encarregado aquele dia de servir as refeições no templo:

"Batendo duas mãos uma na outra temos um som; qual é o som de uma mão?"

Aguri Fumikazu olhou para suas próprias mãos como se as visse pela primeira vez e não pode evitar o desconcerto. Sentiu que lhe dava um nó na cabeça. Como não sabia a resposta, manteve-se em respeitoso silêncio. Calado admitia a sua ignorância.

Ao servir a tigela com arroz fumegante, porém, o humilde discípulo entregou ao mestre, talvez por descuido, apenas um hachi.*

O mestre curvou-se numa reverência e recolheu-se ao pátio onde costumava meditar. A lua cheia só viria no dia seguinte, mas mesmo assim ele adiantou-se: começou no mesmo instante o seu jejum.
*. palitos japoneses

12 abril, 2010

III Encontro Prática de Escrita


Estive lá. Foi no meu velho bairro, cercado de reminiscências (entre o velho colégio Roosevelt da minha adolescência e o cursinho Anglo por onde também passei). A Liberdade a degradar-se e me agradar. Sempre. Trilhei estas ruas todas no automático movido pelos álcoois e pelas paixões.

Do encontro, o prazer de aprender. De conhecer pessoas. De rever outras que já guardo aqui, no peito.

Agradeço em particular ao Claudio Brites, da Editora Terracota, que acredita sempre, agita e anima o meio; ao Nelson de Oliveira pelo seu entusiasmo e generosidade; ao Sergio Couto pelas dicas no gênero onde apenas engatinho; ao palestrante Milton Hatoum, por compartilhar sua experiência de vida e de autor.


01 abril, 2010

561. hai kai n.52

Peixe des’tamanho
Neste rio poluído? Não minta pra mim
Martim pescador

560. hai kai n. 51

Duende não minta
No fim do arco-íris
Há um balde de tinta

559. hai kai n. 50

Em boca fechada
Mosca não entra
Sem ser convidada

558. hai kai n.49

Contra o pára-brisa
Pequenos impactos
Insetos camicases

25 março, 2010

557. purgante

Sua avó se aproxima com a colher de chá apontando na sua direção e ele recua aterrorizado como se visse naquela mão engelhada e trêmula um punhal.

- olha o aviãozinho! – ela sorri diabolicamente. E enfia-lhe o purgante garganta abaixo.

Ele tenta bravamente resistir e acaba se engasgando e acordando em estado de pânico, com acessos incontroláveis de tosse.
Recomposto, com alívio lembra-se de que a avó estava morta e enterrada. E que aquele pesadelo provavelmente deve-se aqule trauma de infância.

24 março, 2010

556. hai kai n.48

Bom dia cavalo
Saúdo o nobre eqüino, eu
Que muito falo.

555. hai kai n.47

Me assalta
Um pensamento verde
Gafanhoto que salta

554. Dignidade

É humilhante para um policial como eu ver espalhados por aí esse monte de cartazes de Procurado como se eu fosse um delinquente, um fora da lei. Não fiz nada para merecer isso. Apenas não conseguia mais viver naquela casa, com aquela gente insuportável. Ia acabar agredindo um deles. Porra, eu mereço mais respeito, consideração. Sou um cachorro, mas tenho cá minha dignidade.

553. Lluvia

Lloven cuchillos em Berna – suizos genuinos

552. Concupiscencia de la carne

No deseaba la mujer del prójimo. Ni la suya.
* tradução: não desejava a mulher do próximo. Nem a sua.

551. o mestre

Lá fora sentia o verbo preso, contido. Cá dentro, recluso, encarcerado, é mestre de aforismos.

04 março, 2010

550. hai kai n.46

Nos amplos estábulos
Da Torre de Babel
Cavalos cagam vocábulos

549. hai kai 45

Vago abstêmio
Em espírito convosco
Pelo bairro boêmio.

548. hai kai 44

Aqueduto em ruínas
Águas passadas
Só movem saudades

547. hai kai n.43

Jacaré ia marcar o tento
Tamanduá bandeira
Marcou impedimento

24 fevereiro, 2010

546. memória da dor

A dor fantasma. Já ouvira falar que se dava naqueles que tem pernas ou mãos ou braços amputados. A tal memória da dor. Agora sentia-a ele próprio. E no coração que lhe tinham levado embora.

545. joão (conto)

João nunca faltava ao trabalho, jamais adoecia, era o tipo do funcionário exemplar. Vivia, comia e respirava a fábrica. Vestia a camisa, ou melhor, o macacão, que para ele era como se fosse uma segunda pele e, ao longo dos anos, esforçava-se por mostrar-se engrenagem importante no funcionamento da linha de produção onde atuava. Quando chegou a época de se aposentar, não o fez - decidiu continuar trabalhando com o mesmo amor e entusiasmo do primeiro dia; embora a sua saúde já não colaborasse muito para que sua produção se mantivesse satisfatória. Na concepção de João, porém, ele se havia tornado insubstituível e estava de certa forma convencido de que sem ele o mecanismo não funcionaria a contento. E como naquele ambiente totalitário ter concepções, opiniões, fazer conjecturas ou pensar era algo perigoso e por si só já acusava em quem tivesse este tipo de comportamento um desvio, uma avaria, João foi encontrado morto. Morrera tarde da noite no pleno exercício de suas funções. Fazia serão para cumprir atingir as metas de desempenho.

Pela manhã, antes de começar o expediente, um funcionário do RDR (Recursos de Decujus Robóticos) desmontou suas partes , embalou-as em um pequeno container cinza que etiquetou com o alfanumérico XTRK33. Depois conduziu-o ao arquivo morto e o acomodou junto de outros containeres de antigos funcionários colegas seus desativados. Por exigência fiscal seus restos permaneceriam ali por cinco anos, após o que seriam finalmente triturados e reciclados e transformados em novos funcionários que, pela herança genética, esperava-se, fossem tão eficientes quanto o fora João.

544. sugestão

"Vai cuidar da sua vida!", ela disse ao dispensá-lo. Mas ele não seguiu seu conselho. Preferiu refugiar-se no trabalho pois muito mais que a ela ele amava o que fazia: maquiar cadáveres, cuidar da morte dos outros.

543. o cara (miniconto)

“Eu sou o cara”, costumava se vangloriar. E um dia ao dizê-lo na hora e no lugar e para a pessoa errada, foi executado friamente.
“Aquele coroa não era o cara!”, repreendeu o contratante ao pistoleiro de aluguel. “ É nisso que dá confiar em amadores”

Ricardo Delfim, Claudio Brites (Editor) e Ademir Pasquale - No lançamento do Contos Imediatos.

Eu, Sergio P. Couto, Roberto Causo, Ramiro Giroldo e Marcello Simão Branco. Na Martins Fontes da Paulista.

18 fevereiro, 2010

542. hai kai n.41

O rio da minha aldeia
Agora corre apenas
Pelas minhas veias

541. o seguidor (the follower)

tuitou antes de ser encontrado morto: estou sendo seguido. se algo me acontecer ( e com certeza vai acontecer) descartem a versão de suicídio. De nada lhe valeu, pois, seu único follower era justamente o assassino.

05 fevereiro, 2010

540. o velho capitão

As águas do rio subiram rapidamente, invadiram as margens e, malgrado os perigos, o velho capitão permaneceu em seu posto encarapitado no telhado enegrecido como seus dentes de fumante secular. Não abandonaria a casa. Afundaria com ela. Aos que tentaram resgatá-lo apontou a carabina. Enxergava neles intenções bucaneiras.

TV CRONÓPIOS H2horas (O Filme)

Minicontos, poemas, pequenos textos... É o que apresenta o filme H2horas do Pipol, na TV Cronópios. Fiz uma ponta. Confiram.

http://www.cronopios.com.br/h2horas/

13 janeiro, 2010


Produção em alta: sairam contos meus no site O Bule e na Cyberzine Terrorzine n.17

04 janeiro, 2010

No lançamento do Contos...

Com o escritor Ademir Pasquale, editor da Terrorzine, zine em que andei publicando umas brevidades