27 novembro, 2012

Segunda Chance (conto)

Todo dia o paraplégico Agostinho ia à beira de um enorme precipício com a firme determinação de que dali se atiraria para acabar com a sua vida – algo que não pedira, fardo que tanto o incomodava -  mas nunca encontrava a coragem necessária ao cumprimento do que se propunha. E limitava-se a chamar a plenos pulmões a si próprio de covarde e ouvir o irritante eco, lá embaixo, nos socavões.
“Covarde! Arde! Arde! Arde!  Arde! Arde! Arde!”
Um dia – havia chovido muito na noite anterior – ele aproximava-se da borda do penhasco para mais uma tentativa de suicídio  quando  escorregou e despencou pela encosta acidentada entre pedras e espinhos.
Foi uma queda e tanto. Ossos fraturados, traumatismos, hematomas...  e ele ainda vivo, que vaso ruim, como dizem, não quebra. Apesar de tudo isso não conseguiu o que queria.
 Agora o tetraplégico Agostinho faz da língua uma lâmina. Vive de aporrinhar a enfermeira contratada por seus parentes para cuidá-lo, para que empurre sua cadeira de rodas e deixe-a deslizar outra vez penhasco abaixo. Quer por que quer uma segunda chance. Mas a enfermeira, sábia, tem a percepção de que os tempos andam difíceis e que se fizer o que ele lhe pede ficará desempregada. E em contrapartida redobra os cuidados.

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